BRUNO BARBIERI

Vitamina C e resfriado

O resfriado é caracterizado por uma infecção nas vias áreas superiores causadas por vírus, dessa forma, ingerir antibiótico não faz efeito algum contra resfriado, já que este, tem efeito apenas contra bactérias. Para se livrar do vírus, o próprio sistema imune, por si só, da conta do recado. Mas, algumas pessoas insistem em suplementar vitamina C em altas doses com intuito de evitar o resfriado ou para reduzir o tempo de recuperação, quando já estão resfriadas1.



A vitamina C ganhou grande notoriedade nos anos 70 graças ao Linus Pauling (1901 – 1994), que era defensor do consumo de altas doses de vitamina C, para evitar resfriados e outras doenças crônicas. Pauling foi a única pessoa a ganhar dois Prêmios Nobel não compartilhados, ou seja, ganhou sozinhos os prêmios. Assim sendo, suas afirmações e seus estudos publicados possuíam grande peso no meio cientifico.
A vitamina C foi descoberta em 1932 e suas funções são pesquisadas até hoje. As suas funções variam de controle de infecções, ação antioxidante e até na cicatrização de feridas (cofator da enzima que sintetiza colágeno)2. No combate as infecções o mecanismo responsável se dá pelos fagócitos e linfócitos, estes concentram vitamina C 100 vezes mais que no plasma sanguíneo, sugerindo papel importante no sistema imunológico, sendo que a vitamina C aumenta a resposta proliferativas dos linfócitos T e produção de interferon in vitro.3,4,5
Diversas revisões sistemáticas, buscaram trazer evidências para a suplementação ou não de vitamina C, com intuito de evitar resfriados ou diminuir o tempo da doença em pessoas infectadas com o vírus.

Metanálise 1  Cochrane (Doses > 200mg/dia)6
Segundo trabalho publicado em 2013 na Cochrane, foram analisados 29 estudos, envolvendo mais de 11.306 participantes nessa metanálise. Na população geral, que estavam suplementando vitamina C ao longo do ano o RR* foi de 0,97 e no grupo incluindo apenas maratonistas, esquiadores e soldados o RR foi de 0,48.
Neste mesmo trabalho, foram analisados 31 estudos para avaliar se o uso regular de vitamina C reduziria a duração da doença. Em adultos e crianças houveram redução de 8% e 14% respectivamente, e quando analisaram doses entre 1 a 2g/dia houve redução de 18% da duração do resfriado em crianças.
Outros setes estudos dessa metanálise, examinaram a suplementação convencional de vitamina C 75mg/dia para mulheres e 90mg/dia homem, e não houve diminuição na duração e incidência de resfriados.

Metanálise 27
Segundo este trabalho publicado em 2018, foram analisados 18 ensaios randomizados (8.472 participantes) entre 3 a 36 semanas, com doses de vitamina C de 0,08g/dia até 3g/dia. O RR foi de 0,97 para o grupo suplementado. Assim o estudo conclui que suplementar vitamina C não reduz a incidência de resfriado.

Analisei outras metanálise publicadas em 2018, mas não entraram nesse artigo, pois os dados não foram estatisticamente significativos.
Linus Pauling8


Foi feita uma análise de todos os resultados publicados de estudos controlados duplo-cegos do efeito do ácido ascórbico em quantidades diárias acima de 100 mg sobre a incidência, gravidade e morbidade integrada do resfriado em populações que receberam o ácido ascórbico (ou placebo) regularmente, começando antes que os resfriados tenham ocorrido, e com os sujeitos expostos ao vírus do resfriado de maneira comum (contato com outras pessoas). As observações rejeitam com alta significância estatística a hipótese nula de que sob estas condições o ácido ascórbico tem o mesmo efeito de um placebo. O ácido ascórbico em uma quantidade diária de 1000 mg é relatado com a função de diminuir a incidência de resfriados em cerca de 45% e a morbidade integrada em cerca de 63%. Estes valores são usados ​​na formulação de expressões exponenciais para a quantidade de proteção em função da ingestão de ácido ascórbico. Nenhum estudo controlado nestas condições tem dados resultados que rejeitam com significância estatística a hipótese de que essa quantidade de efeito protetor ocorre. Um efeito protetor menor (não estatisticamente significativo) é relatado quando os resfriados são induzidos por inoculação do vírus em suspensão
Na metanálise de Linus, ele baseou suas afirmações, principalmente no estudo de Ritzel9 1961, na qual a ingestão de vitamina C foi de 1000mg. Ritzel encontrou redução na incidência (-45%) e duração (-31%) dos resfriados. No entanto, esse estudo foi realizado com crianças em idade escolar, na escola de esqui nos Alpes suíços, dessa forma o estudo não é considerado randomizado, ou seja, não representa a população geral, e extrapolar esses resultados para o mundo real seria um erro.



No entanto, graças essa afirmação categórica do Linus Pauling, diversos outros estudos foram conduzidos para verificar se realmente altas doses de vitamina C, teria esse papel tão importante. Ainda não é possível bater o martelo, mas certamente temos muito mais evidências científicas para seguir com as orientações na prática clínica.

Conclusão
Como é possível perceber de acordo com os estudos, se você é uma pessoa comum, suplementar vitamina C o ano todo, não vai te proteger do resfriado, e suplementar enquanto está com resfriado, parece trazer pouco benéfico na recuperação. Então pare de gastar seu dinheiro com essa suplementação. Existe um método muito mais eficaz para evitar gripes e resfriados, procure ter uma alimentação equilibrada, pratique atividade física diariamente, e lave mais as mãos.  Abraços!!

Referências
Common colds: Overview Created: February 14, 2006; Last Update: November 15, 2018; Next update: 2020
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK279543/

Dietary Reference Intakes for Vitamin C, Vitamin E, Selenium, and Carotenoids
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK225480/

Evans, R. M., Currie, L. & Campbell, A. (1982). The distribution of ascorbic acid between various cellular components of blood, in normal individuals, and its relation to the plasma concentration. British Journal of Nutrition 47, 473-482

Schwerdt, P. R. & Schwerdt, C. E. (1975). Effect of ascorbic acid on rhinovirus replication in WI-38 cells. Proceedings of the Society for Experimental Biology and Medicine 148, 1237-1243. 

Smit, M. J. & Anderson, R. (1990). Inhibition of mitogen-activated proliferation of human lymphocytes by hypochlorous acid in vitro: protection and reversal by ascorbate and cysteine. Agents and Actions 30, 338- 343

Hemilä H & Chalker, E. (2013). Vitamin C for preventing and treating the common cold
Cochrane Systematic Review – Intervention Version published: 31 January 2013
https://doi.org/10.1002/14651858.CD000980.pub4

Evelyn Gómez, Sebastián Quidel, Gonzalo Bravo-Soto, Ángela Ortigoza. Does vitamin C prevent the common cold?. Medwave 2018 Jul-Ago;18(4):e7236 doi: 10.5867/medwave.2018.04.7236

Linus Pauling. The Significance of the Evidence about Ascorbic Acid and the Common Cold. Proc. Nat. Acad. Sci. USA Vol. 68, No. 11, pp. 2678-2681, November 1971

Ritzel, G., Helv. Med. Acta, 28, 63 (1961).
*RR = Risco relativo. É a probabilidade de ocorrer a doença no grupo que estava suplementando vitamina C, em relação com o grupo controle (placebo). Se o risco relativo for 1, isso implica que o número de pessoas infectadas que suplementaram vitamina C, foi o mesmo número do grupo controle.
RR = Psuplementação/ Pcontrole