BRUNO BARBIERI

Creatina
(ácido α-metil guanidino acético)

Sempre estamos procurando utilizar alguma estratégia para melhor nosso desempenho, seja para diminuir o tempo em algum esporte, atrasar a fadiga, aumentar a força ou concentração.
A proposta desta suplementação seria pelo atraso da fadiga. Mas, o que é fadiga?
A fadiga, é definida por alguns autores, como a incapacidade de continuar tal atividade física ou manter a mesma intensidade, e tem como causa diversos fatores, embora os mecanismos ainda não estejam todos elucidados.
Para que haja movimento é necessária energia, e a nossa principal molécula (moeda energética) que fornece energia através da ligação química é o ATP (Adenosina trifosfato). Então quando nos alimentamos de carboidrato, proteína ou gordura a energia contida nas ligações químicas desses nutrientes, não são usadas diretamente pelas células, na verdade essa energia é transferida para o ATP e assim nosso corpo consegue utilizar a energia.  (Caso você esteja se perguntando o motivo das nossas células não utilizarem a energia diretamente do alimento, a resposta é muito simples. É porque seria muito complicado, teriam que ter diversas enzimas especificas, e além disso não conseguiríamos ter aquela “explosão’ muscular que dura apenas alguns segundos, isso vai ficar claro mais tarde.
Infelizmente nosso corpo não conta com uma grande quantidade de estoque de ATP, variando entre 80 a 100g. Dessa forma não durando mais que poucos segundos durante uma atividade física de alta intensidade, sendo assim, é necessário sintetizar mais ATP através da fosfocreatina (PCr), carboidratos e lipídios.  Para se ter ideia, uma pessoa sedentária sintetiza aproximadamente 75% da massa corporal em ATP por dia.
PCr = Sistema fosfagênio
Glycolysis = Sistema glicolítico
Aerobic = Sistema oxidativo

Imagem 1

Dito isso, agora podemos falar sobre a creatina propriamente dita.
A suplementação de creatina geralmente é indicada para indivíduos que querem ganhar força e aumentar a massa muscular. Isso faz sentido bioquímico, já que em atividades de curta duração e alta intensidade o sistema fosfagênio é predominante na ressíntese de ATP.

PCr = fosfocreatina ou creatina + fosfato
ADP = adenosina difosfato ou adenosina (adenina + ribose) + 2 fosfatos
Cr = creatina
ATP = adenosina trifosfato ou adenosina (adenina + ribose) + 3 fosfatos
Como é possível observar na reação acima, a fosfocreatina mais um ADP forma o ATP mais creatina. E como isso acontece? Uma enzima chamada creatinoquinase (CK) remove o fosfato da fosfocreatina e adiciona no ADP, assim transformando em ATP.  Então, perceba nesta reação, que a creatina serve para “guardar” fosfato de alta energia, e quanto mais creatina estiver dentro da célula muscular, mais fosfato de alta energia estarão estocados e maior será a produção de ATP quando necessário. Assim sendo, um praticamente de musculação que suplemente creatina, conseguiria fornecer mais energia para contração muscular, aumentando a força e o número de repetição, já que pode haver atraso na fadiga, e tendo como consequência aumento da massa muscular.
Apenas fazendo um parêntese, sabe aquele exame para medir o dano muscular ou para ver se a pessoa teve um infarto? Pois bem, é justamente essa enzima CK que é dosada no sangue, mas no caso do infarto é a fração MB (CK-MB).
Vamos aos estudos!!
A creatina é composta a partir de três aminoácidos (metionina, glicina e arginina) e é sintetizada pelo fígado, rins e pâncreas. A produção diária de creatina é em torno de 1 a 2g por dia, esta mesma quantidade é degradada em creatinina e eliminada pela urina. Além da síntese endógena, é possível obter creatina pela alimentação, 1 quilo de carne vermelha possui por volta de 5g de creatina, ou pela suplementação.
Tipos de creatina
A ANVISA através da RDC Nº 18, de 27 de abril de 2010, permite apenas a venda da creatina monoidratada com grau de pureza mínima de 99,9%
Mas quantos tipos de creatina existem?
Eu não sei ao certo, se é que alguém sabe, mas provavelmente dezenas de tipos. E sempre a indústria acaba lançando um novo tipo de creatina, dizendo ter melhor solubilidade, biodisponibilidade e melhora no desempenho se comparada com a creatina monoidratada.
Será isso verdade? Já adiantando a resposta, não!! Nenhum tipo de creatina se mostrou melhor biodisponível quando comparada com a creatina monoidratada.
Estudo 1
Spillane et al. (2009) compararam os efeitos da suplementação de placebo (PLA), creatina monoidratada (CRT) e creatina etil éster (CEE) na quantidade total de creatina muscular em indivíduos que treinaram por 42 dias. Como é possível perceber no gráfico abaixo, embora suplementar com CEE tenha aumentado a creatina muscular, ela foi inferior quando comparada com a creatina monoidratada.

Imagem 2

Estudo 2
Greenwood et al. (2003) compararam a retenção de creatina muscular após a suplementação de:
5g de creatina monoidratada;
5g de creatina monoidratada + 18g de dextrose;
5g de citrato de creatina (efervescente) + 18g de dextrose.
Como é possível observar no gráfico abaixo, a utilização de algum carboidrato melhora a retenção de creatina no músculo, isso devido ao estimulo a insulina. E novamente a creatina monoidratada teve melhor biodisponibilidade.

Imagem 3

Estudo 3
Kreider et al (2003) compararam a suplementação por 5 dias de creatina monoidratada com creatina liquida que, supostamente, seria melhor absorvida do que o tipo monoidratada, segundo o fabricante. Como é possível observar no gráfico, baixa dose dessa creatina liquida, até diminuiu a quantidade de creatina livre muscular, enquanto altas doses promoveu uma melhora praticamente inexistente.
Baixa dose creatina liquida = 5 ml, equivalente a 2,5 g de monoidratada
Alta dose creatina liquida = 40 ml, equivalente a 20 g de monoidratada
Creatina monoidratada = 20g

Imagem 4

Mesmo que seja possível melhorar a biodisponibilidade da creatina, existe a saturação de creatina muscular, ou seja, existe um limite para o total de creatina dentro do músculo e com a creatina monoidratada já é possível atingir esse limite dentro de alguns dias. Dessa forma, o benefício ergogênico máximo, através da creatina, já é alcançado com o tipo monoidratada.
Como tomar?
Com certeza você já ouviu falar que para tomar creatina é necessário fazer a saturação por 5 dias, e depois manter uma dose de manutenção. Bom, de fato vai ocorrer a saturação de creatina muscular, mas ela pode acontecer em pouco tempo, utilizando altas doses por alguns dias, ou utilizar baixas doses por pelo menos 20 dias. A escolha vai ser sua e do seu treinador. Minha opinião é que se faça a saturação com altas doses, para conseguir o efeito ergogênico mais rapidamente.
Estudo 4

Imagem 5

Hultman et al (1996) compararam 2 grupos suplementando creatina. O grupo A ingeriram 20 g/dia por 6 dia consecutivos e o grupo B 20g/dia por 6 dias consecutivos e após 2g/dia por 28 dias, totalizando 35 dias de suplementação. O gráfico mostra a quantidade de creatina muscular, e é possível observar a necessidade da dose de manutenção, para o maior nível de creatina muscular.
Ainda houve um grupo 3 suplementando 3g/dia de creatina por 28 dias, e a concentração total de creatina foi a mesma que do grupo 1 e 2.

Imagem 6

Quais esportes se beneficiam com a creatina?
Estudo 5
Segundo a revisão de Branch (2003) a suplementação de creatina pode beneficiar ou prejudicar o atleta dentro de algumas modalidades. O efeito ergogênico pode ser observado, geralmente, em atividades de curta duração, menor que 150 segundos, tendo seu efeito mais expressivo em esportes com duração menor de 30 segundos e diminuindo o efeito ergogênico conforme a atividade se estende. Esse efeito é diminuído pois a via de obtenção de energia já não depende mais tanto do sistema fosfagênio, e começa a utilizar mais o sistema glicolítico e oxidativo.
AE = Ergometria do braço
BE = Bicicleta ergométrica
IK = Produção de torque isocinético
IM = Força isométrica
IT = Força isotônica
JP = Salto
RN = Corrida curta distância
SK = Corrida patinação na neve
SW = Natação
KY = Caiaque
Duração da modalidade esportiva < 30 segundos
Imagem 7

Duração da modalidade esportiva de 30 até 150 segundos
Imagem 8

Duração da modalidade esportiva => 150 segundos
Imagem 9

Na natação houve uma perda do desempenho quando a atividade teve duração entre 30 e 150 segundos. Esse decréscimo no desempenho é provavelmente devido ao maior peso do participante, já que a creatina aumenta o conteúdo hídrico dentro da musculatura, tornando o indivíduo mais pesado, aumentando o arrasto.

Estudo 6
Volek et al (1999) conduziram um estudo com 19 homens, estes realizaram treinamento de musculação e suplementaram com creatina ou placebo. Após o período de 12 semanas foi possível observar aumento na carga do agachamento e do supino (24% e 32%, respectivamente) no grupo da creatina, contra (16% e 24%, respectivamente) no grupo placebo.

Imagem 10
Já em relação a composição corporal, o aumento do peso e da massa livre de gordura no grupo creatina foi (6,3% para ambos) e no grupo placebo (3,6% e 3,1%, respectivamente).
Imagem 11
Através deste estudo, é possível observar que a suplementação de creatina, juntamente com treinamento resistido, aumentou a força e massa muscular de maneira mais expressiva do que no grupo placebo.
Mecanismo de ação
O mecanismo de ação da creatina no aumento de força e massa magra ainda não é bem evidenciado, alguns estudos tem indicado:
– Aumento da retenção hídrica muscular;
– Expressão gênica;
– Aumento da eficiência de tradução de proteica da via  anabólica;
– Proliferação e ativação de células satélites.
O aumento da massa muscular, pode ser pela consequência do aumento da força, já que indivíduo com mais força, causa uma tensão muscular maior e possivelmente promovendo maior anabolismo.
Estudo 7
SYROTUIK et al (2000) conduziram um estudo muito interessante. Eles avaliaram se a creatina teria algum efeito anabólico, se não pelo aumento de força e, consequentemente, o treino mais intenso. Participaram 21 homens divididos em 3 grupos.
Grupo AL = 0,3g/kg de peso por dia durante 5 dias + 32 dias de placebo
Grupo ALM =  0,3g/kg de peso por dia durante 37 dias
Grupo PL = 37 dias de placebo
Os participantes dos 3 grupos, treinaram 4 vezes por semana, durante 5 semanas e meia. A carga do treino foi fixada em 80% de 1 RM de cada indivíduo. Sendo que nenhum grupo poderia aumentar a carga ou aumentar a intensidade do treino.

Imagem 12

É possível observar o aumento de peso entre T1 e T2 no grupo AL e ALM, que suplementaram com creatina, esse ganho é devido ao aumento hídrico muscular, já que ninguém conseguiria ganhar 2kg de músculo em 5 dias. Entre o tempo T2 e T3 o grupo AL perdeu peso, devido ter parado com a suplementação de creatina e o Grupo ALM não teve maior ganho de peso comparado com placebo. Este estudo demonstra que a creatina parece não ter efeito no anabolismo, se não pelo aumento de força e intensidade no treinamento.
Dano renal?
E para finalizar, houve um tempo que a creatina foi proibida no Brasil, a alegação era que a suplementação deste nutriente poderia causar dano renal.
Estudo 8
Kim et al (2011) conduziram uma revisão para avaliar se consumir creatina cronicamente poderia causar dano renal, ou seja, diminuir a taxa de filtração glomerular (TFG). Segundo o gráfico abaixo, mesmo indivíduos suplementando creatina por até 10 anos, com altas doses, chegando a 42g por dia, durante 5 dias por semana, não apresentaram diminuição da TFG, quando comparado com grupo controle. Para se ter uma ideia, é considerado normal TFG > 90ml/min, e todos do estudo estavam com mais de 120ml/min.

Imagem 13

Conclusão
A creatina é um dos poucos suplementos que possuem tantas evidências do seu efeito ergogênico, e seus benefícios são relatados em atividades de alta intensidade e curta duração (<150 segundos). Se você deseja aumentar sua massa muscular, este é um suplemento indicado, mas se você não treina de forma intensa, talvez ele não te traga os resultados que você almeja. Abraço!
Referências
Gastin, P. B. (2001). Energy System Interaction and Relative Contribution During Maximal Exercise. Sports Medicine, 31(10), 725–741. doi:10.2165/00007256-200131100-00003
(Estudo 1) Spillane M, Schoch R, Cooke M, Harvey T, Greenwood M, Kreider R, Willoughby DS. The effects of creatine ethyl ester supplementation combined with heavy resistance training on body composition, muscle performance, and serum and muscle creatine levels. J Int Soc Sports Nutr. 2009;6:6. doi: 10.1186/1550-2783-6-6
(Estudo 2) Greenwood M, Kreider RB, Earnest C, Rasmussen C, Almada A. Differences in creatine retention among three nutritional formulations of oral creatine supplements. J Exerc Physiol Online. 2003;6:37–43
(Estudo 3) Kreider RB, Willoughby DS, Greenwood M, Parise G, Payne E, Tarnopolsky MA. Effects of serum creatine supplementation on muscle creatine content. J Exerc Physiol online. 2003;6(4):24–33.
(Estudo 4) E. HULTMAN, K. SODERLUND, J. A. TIMMONS, G. CEDERBLAD, AND P. L. GREENHAFF. Muscle creatine loading in men. 0161-7567/96 1996 the American Physiological Society
(Estudo 5) J.D. Branch. Effect of Creatine Supplementation on Body Composition and Performance: A Meta-analysis. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, 2003, 13, 198-226 © 2003 Human Kinetics Publishers, Inc
(Estudo 6) Volek JS, Duncan ND, Mazzetti SA, Staron RS, Putukian M, Gómez AL, Pearson DR, Fink WJ, Kraemer WJ. Performance and muscle fiber adaptations to creatine supplementation and heavy resistance training. Med Sci Sports Exerc. 1999 Aug;31(8):1147-56.
(Estudo 7) SYROTUIK DANIEL G.; BELL, GORDON J.; BURNHAM, ROBERT; SIM, LORRAINE L.; CALVERT, ROBERT A.; MACLEAN, IAN M. Absolute and Relative Strength Performance Following Creatine Monohydrate Supplementation Combined With Periodized Resistance Training. Journal of Strength and Conditioning Research, 2000, volume 14
(Estudo 8) Hyo Jeong KimChang Keun KimA. CarpentierJacques R. Poortmans. Studies on the safety of
creatine supplementation. May 2011, Volume 40, Issue 5, pp 1409–1418