Leite é veneno? Não!!
Recentemente assisti a uma palestra de um médico no YouTube, falando sobre os malefícios do leite. Resolvi analisar os principais “argumentos” deste pseudointelectual.
“Segundo a literatura existe mais de 5400 mamíferos de espécies diferentes”
“Nós somos a única espécie do planeta terra que toma leite de outras espécies, e nenhum outro mama na vida adulta”
Este, sem dúvida, é o pior “argumento” possível. Qualquer pessoa que utilize deste, mostra, claramente, que é tendencioso, pois essa informação não agrega cientificamente em nada. Primeiramente, desde quando observamos os hábitos alimentares dos animais, para dizer se o nosso está certo ou errado? Por acaso os mamíferos possuem PhD em nutrição? Ou se alimentam do que tem disponível? Porque se for para analisar dessa forma, caso você queira ter o habito alimentar saudável, você não deveria procurar um nutricionista, e sim um biólogo.
O pior que esses “profissionais” da área da saúde que utilizam esse argumento, não percebem o quão contraditório é. Geralmente, eles defendem o consumo de óleo de coco, café com manteiga, leite de amêndoas, cozinhar com banha de porco, suplementação de ômega 3 e etc. Você já viu algum mamífero comendo alguma dessas coisas? Se for seguir essa lógica, então esses exemplos citados também estão errados. Aliás, quando ficar doente, não tome medicamentos, já viu um boi ou cachorro sintetizando medicamento e utilizando? Acho que não!
Consumir leite é uma evolução e não involução!!!
“Hong Kong ingere menos da metade de leite e tem mais de 3 vezes menos fratura de quadril do que EUA e NZ”
“Quanto menos leite, menos osteoporose”
“Por que os países com alto consumo de leite e derivados, como EUA, tem maior incidência de osteoporose e fraturas ósseas do que os de menor consumo (é citado os países asiáticos)”
“Produtos lácteos não fazem parte da dieta na china, Japão, Vietnam ou Tailândia, no entanto os habitantes desses países têm uma das mais baixas taxas te osteoporose e fratura óssea no mundo”
O problema de estudos de correlação, é que avalia apenas duas variáveis, e não causa e efeito. Por isso, é necessário, saber interpretar os estudos, possuir senso crítico, e avaliar outras variáveis que possam estar influenciando o resultado.
Tabela 1 (1)
Como é possível observar existe uma grande diferença na estatura, peso e IMC comparando Estados Unidos (EUA) e Nova Zelândia (ZN) com Hong Kong (HK), em ambos os sexos. A estatura por si só aumenta o risco de fratura no quadril em uma queda, já que quanto maior o indivíduo, normalmente, maior a distância do quadril até o chão. Assim a energia potencial gravitacional é maior, ou seja, quanto maior o indivíduo maior a queda e, consequentemente, maior o impacto no quadril.
A energia potencial gravitacional é dada pela equação Ep = mgh, onde m= massa, g = gravidade e h = altura. Então, além da altura, o peso corporal também influência em maior impacto na queda.
Segundo Feskanich (2015), o risco de fratura do quadril aumenta em 5% para cada centímetro de estatura a mais do indivíduo. E, geralmente, as pessoas que consomem leite são mais altas. Entre aqueles que consumiram 4 copos ou mais de leite por dia são em média 1,9cm e 1,7cm, homens e mulheres respectivamente, mais altos do que aqueles que consumiram <2 copos por semana.2
E também é necessário levar em conta o estilo de vida de cada população, como nível de atividade física e sedentarismo, habito alimentar e de vida, genética, nível de vitamina D e K, reposição hormonal, suplementação e entre outros.
Níveis baixos de vitamina D, está relacionado com menor densidade óssea, e a maior parte da população dos EUA moram em altitude alta (como norte dos EUA) ou tem a pele escura ou passam pouco tempo exposto ao sol, e são grupos que se beneficiariam da suplementação de vitamina D.3
Geralmente, costumam citar o Japão como exemplo da baixa ingestão de cálcio e baixa incidência de fratura no quadril, e comparam com EUA. No entanto, há maior número de idosos acamados no Japão, isso diminui o risco de uma queda e fratura. E a diferença no estilo de vida também precisa ser levado em conta. No Japão costumasse sentar no colchão de tatame, com joelhos flexionados, e com levantamentos frequentes. Além dos trabalhos domésticos, em residências estreitas, isso pode garantir um maior desenvolvimento muscular e de equilíbrio, evitando possíveis quedas.
Assim, fica demonstrado que utilizar uma simples correlação para estimular ou inibir o consumo.
“Atualmente as vacas leiteiras vivem apenas 6 em vez de 20 anos e a produção de leite, comparada há 50 anos aumento em 250%”
“Antes a vaca dava 1 ou 2 litros de leite por dia. Hoje tem vaca que produz 70, 80, 90 litros de leite por dia”
De fato, a produção de leite diário pelas vacas aumentaram, obviamente que é bem abaixo desses 80 litros citados. Nas grandes fazendas produtoras de leite, cada vaca produz em média de 20 a 40 litros de leite. Esse aumento da produção de leite se da ao avanço da zootecnia, com a melhoria da genética (cruzamento de vacas de raça com determinado tipo de boi), consumo de ração rica em nutrientes, menor número de adoecimento, ordenha mecânica, maior disponibilidade de água.
A fazenda São José, que produz um dos leites de melhor qualidade do Brasil, a média de produção de leite por vaca é de 26 litros por dia.4 – (obs. Não estou sendo beneficiado para divulgar esta informação)
As vacas leiteiras vivem por volta de 5 a 8 anos, após esse período elas vão para o abate. Essa baixa expectativa de vida é devido a menor produção de leite com avançar da idade, problemas em reprodução, locomoção ou por mastite recorrente. Além, da qualidade da carne da vaca diminuir com avançar da idade. No entanto, é estranho essa preocupação de algumas pessoas com a expectativa de vida da vaca, sendo que estas mesmas, comem carne de boi, novilho e vitelo que viveram bem menos que esses 5 a 8 anos das vacas leiteiras. Ou seja, a vaca leiteira é que a que tem mais sobrevida dentro da indústria.
“A concentração de estrona (no soro do leite): Vaca não prenhe 30pg/ml, Prenhe (41-60 dias) 151pg/ml e Prenhe (1000pg/ml)”
Nessa afirmação ele não cita a fonte. Mas, Hartmann et al (1998) analisaram a quantidade de estrona total em leite e derivados, e a quantidade encontrada a foram as seguintes:
Leite 130 pg/mL, iogurte 130pg/mL e queijo gouda 260pg/mL.5 No entanto, o que realmente importa não é a quantidade de hormônio no leite, e sim se o consumo de leite faz bem ou não.
“Iogurte: tem açúcar, antibióticos, a pasteurização mata as bactérias boas, utilizado hormônio de crescimento bovino rebombinante (rBGH.. IGF)”
No Brasil é proibido a utilização de qualquer tipo de hormônio em animais destinado ao consumo.
Art. 1º Proibir a importação, a produção, a comercialização e o uso de substâncias naturais ou artificiais, com atividade anabolizantes hormonais, para fins de crescimento e ganho de peso em bovinos de abate.6
A presença de antibióticos no leite é mínima, já que é preciso esperar alguns dias para coleta de leite de vacas que utilizaram antibióticos, justamente para evitar a passagem para o leite.
“Universidade de Harvard tirou o leite da refeição. Chegaram à conclusão que faz mal”
Essa afirmação é falsa. Harvard não retirou o leite do Healthy Eating Plate, apenas limitou o consumo para 1 a 2 porções de leite e laticínios diária.7
Imagem 1
“Grama por grama couve tem mais cálcio do que leite”
De fato, segundo a tabela taco em 100g de couve e leite contém 131mg e 123mg de cálcio respectivamente.8 No entanto, qual é mais fácil consumir? 200g (aproximadamente 200mL) de leite ou 200g de couve? Aliás, você come grandes quantidades de couve todos os dias? Sem considerar que leite não contém só cálcio, possui proteínas de alto valor biológico e grande quantidade de outras vitaminas e minerais.
“O número de americanos diagnosticado com osteoporose aumentou 55% entre 1995 e 2006”
E também aumentou o número de obesos, de sedentários e houve piora na alimentação, que são fatores que aumentam o risco de osteoporose. Sem esquecer que é preciso considerar que a população aumentou, e o número de exames para diagnostico também.
“Estudos demonstram que leite de vaca não protege seres humanos contra fraturas ósseas do modo como nos foi ensinado, de fato, o alto consumo pode aumentar o risco de fratura”
Nem o leite nem nenhum outro alimento sozinho vai diminuir a incidência de osteoporose, pois nenhum alimento é completo nutricionalmente falando. O leite embora forneça grande quantidade de cálcio e outras vitaminas e minerais, ele não oferece boas quantidades de vitamina D e K, que são necessárias para aumento da mineralização óssea. Realmente alguns estudos de Harvard, tem demonstrado que homens que consomem leite, tem maior risco de fratura do quadril. Este aumento está atribuído ao alto consumo de retinol (vitamina A) e gordura saturada.9 É, essa mesma gordura que muitos “médicos” dizem que podemos consumir que não faz mal. E nos EUA é muito comum a comercialização de leite enriquecido com vitamina A, então evite o consumo desse tipo de leite.
“Mulheres que tomam dois ou mais copo de leite tem aumento de 66% no risco de desenvolver câncer de ovário”
“Existe correlação entre ingestão de leite e câncer de proposta”
O aumento de risco de alguns tipos de câncer é muito contraditório. Existe sim estudos que evidenciam o aumento do risco de câncer de ovário, mas existem outros estudos que mostram que não há essa relação, como a revisão de Liu J et al (2015).10
O consumo de leite e cálcio, parece aumentar o risco de câncer de próstata 11, 12.
Em contrapartida o consumo diário de leite, reduz o risco de hipertensão arterial e câncer de colón. 13,14
Conclusão
Leite é um bom alimento? Sim, pois possui boa quantidade de proteína de alto valor biologico, vitaminas e minerais. É um alimento perfeito ou insubstituível? Não! Todo alimento é substituível, mas por ser um alimento barato, de fácil consumo e presente como ingrediente em várias receitas, seria interessante manter a ingesta deste alimento. No entanto, isso não quer dizer que quanto mais melhor, a recomendação de Harvard, parece ser a mais conservadora, limitando a uma a duas porções diárias. O próprio Walter Willet, professor de Harvard e o maior pesquisador de leite do mundo, consome produtos derivados do leite.
Referências bibliográficas
1 https://www.datosmundial.com/estatura-promedio.php
2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3983667/
3. https://www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/what-should-you-eat/calcium-and-milk/calcium-full-story/
4. http://revistagloborural.globo.com/Revista/Common/0,,ERT193592-18282,00.html – Acessado 27/11/2019
5. Hartmann S, Larkus M, Steinhart H. (1998). Natural occurence of steroid hormones in food. Food Chemistry, 62 ( 1): 7–20.
6. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 55, DE 1º- DE DEZEMBRO DE 2011. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. http://www.agricultura.gov.br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-pecuarios/alimentacao-animal/arquivos-alimentacao-animal/legislacao/instrucao-normativa-no-55-de-1o-de-dezembro-de-2011.pdf Acessado 02/12/2019
7. https://www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/healthy-eating-plate/ (Acessado 02/12/2019
8. http://www.nepa.unicamp.br/taco/contar/taco_4_edicao_ampliada_e_revisada.pdf?arquivo=taco_4_versao_ampliada_e_revisada.pdf Acessado 02/12/2019
9. https://www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/what-should-you-eat/calcium-and-milk/ Acessado 02/12/2019
10. Liu J, Tang W, Sang L, Dai X, Wei D, Luo Y, Zhang J. Milk, yogurt, and lactose intake and ovarian cancer risk: a meta-analysis. Nutr Cancer. 2015;67(1):68-72. doi: 10.1080/01635581.2014.956247. Epub 2014 Oct 8.
11. World Cancer Research Fund, American Institute for Cancer Research. Food, nutrition, physical activity, and the prevention of cancer: a global perspective. Washington DC: AICR, 2007.
12. Giovannucci E, Liu Y, Platz EA, Stampfer MJ, Willett WC. Risk factors for prostate cancer incidence and progression in the Health Professionals Follow-up Study. International Journal of Cancer. 2007; 121:1571–78.
13. Larsson SC, Bergkvist L, Rutegard J, Giovannucci E, Wolk A. Calcium and dairy food intakes are inversely associated with colorectal cancer risk in the Cohort of Swedish Men. Am J Clin Nutr. 2006; 83:667–73; quiz 728–29.
14.Martinez ME, Willett WC. Calcium, vitamin D, and colorectal cancer: a review of the epidemiologic evidence. Cancer Epidemiol Biomarkers. Prev 1998; 7:163–68.